Também a ele lhe apetecia uma pausa na obrigação de existir – Mia Couto

– Posso fazer-lhe uma pergunta íntima?
– Depende – responde o português.
– O senhor já alguma vez desmaiou, Doutor?
– Sim.
– Eu gostava muito de desmaiar. Não queria morrer sem desmaiar.
O desmaio é uma morte preguiçosa, um falecimento de duração temporária. O português, quer era um guarda-fronteira da Vida, que facilitasse uma escapadela dessas, uma breve perda dos sentidos.
– Me receite um remédio para eu desmaiar.
– O português ri-se. Também a ele lhe apetecia uma intermitente ilucidez, uma pausa na obrigação de existir.
– Uma marretada na cabeça é a única coisa que me ocorre.
Riem-se. Rir junto é melhor que falar a mesma língua. Ou talvez o riso seja uma língua anterior que fomos perdendo à medida que o mundo foi deixando de ser nosso.
 
Mia Couto em Venenos de Deus, remédios do Diabo.