Para descerrar os tesouros secretos de Freud, Lacan arregimentou uma tribo variada de teorias, da linguística de Ferdinand de Saussure à teoria matemática dos conjuntos e às filosofias de Platão, Kant, Hegel e Heidegger, passando pela antropologia estrutural de Claude Lévi-Strauss. Disto decorre que a maior parte dos conceitos essenciais de Lacan não tem um equivalente na própria teoria freudiana: Freud nunca menciona a tríade do imaginário, simbólico e real, nunca fala sobre “o grande Outro” como a ordem simbólica, fala de “eu”, não de “sujeito”. Lacan usa esses termos importados de outras disciplinas como instrumentos para fazer distinções que já estão implicitamente presentes em Freud, mesmo que ele não tivesse conhecimento delas. Por exemplo, se a psicanálise é uma “cura pela fala”, se trata distúrbios patológicos somente com palavras, tem de se basear numa certa noção de fala. A tese de Lacan é que Freud não estava ciente da noção de fala implicada por sua própria teoria e prática, e que só podemos desenvolver essa noção se nos referirmos à linguística saussuriana, à teoria dos atos de fala e à dialética hegeliana do reconhecimento.
– Slavoj Žižek em Como ler Lacan.