Eu não sei ter afetos. Os meus amores foram sempre ternuras… Nunca poderia amar uma mulher pela alma – isto é: por ela própria. Só a adoraria pelos enternecimentos que a sua gentileza me despertasse: pelos seus dedos trigueiros a apertarem os meus numa tarde de sol, pelo timbre sutil da sua voz, pelos seus rubores – e as suas gargalhadas… as suas correrias…
Para mim, o que pode haver de sensível no amor é uma saia branca a sacudir o ar, um laço de cetim que mãos esguias enastram, uma cintura que se verga, uma madeixa perdida que o vento desfez, uma canção ciciada em lábios de ouro e de vinte anos, a flor que a boca de uma mulher trincou…
Não, nem é sequer a formosura que me impressiona. É outra coisa mais vaga – imponderável, translúcida: a gentileza. Ai, e como eu a vou descobrir em tudo, em tudo – a gentileza… Daí, uma ânsia estonteada, uma ânsia sexual de possuir vozes, gestos, sorrisos, aromas e cores!…
– Mário de Sá-Carneiro em A confissão de Lúcio.