Com efeito, quem pode atestar melhor do que o psicótico a força irredutível — e, no seu caso, devastadora — do inconsciente? | Juan-David Nasio

Que é o inconsciente, afinal, senão o processo que, à maneira do automatismo mental do delirante, leva o sujeito a produzir, irresistivelmente, uma sucessão de pensamentos, palavras e atos que lhe escapam? Certamente, o ser falante que somos, psicótico ou não, é um ser falado: falado por um outro presente em nós, que nos transcende para além do nosso querer e do nosso saber conscientes. Lacan resumiu essa relação entre o sujeito e o Outro que fala nele através de uma formulação densa: “ O emitente recebe do receptor sua própria mensagem, sob forma invertida.” O emitente, isto é, o sujeito, ouve-se dizer suas próprias palavras como se viessem de fora, proferidas por um outro externo que falasse com ele. Um analisando, por exemplo, conta um sonho e, de repente, em meio a seu relato, para, surpreso e confuso, porque acaba de “ soltar uma palavra” que lhe revela seu desejo, ignorado até esse momento. É assim que fala o inconsciente: ele escapa ao sujeito, para voltar a seu ouvido e surpreendê-lo.

Ora, que acontece no paciente alucinado, às voltas com vozes acusadoras, senão que ele as ouve com a dupla certeza de que elas veem de fora e só se dirigem a ele? Para o psicótico e para o neurótico, o movimento retroativo é o mesmo. Exatamente como o sujeito alucinado, o analisando neurótico ouve a voz de seu inconsciente, mas a vivência é radicalmente diversa. Enquanto o neurótico, surpreso, admite que seu inconsciente fala através dele e que ele é seu agente involuntário, o psicótico, por sua vez, repleto de certeza, tem a convicção dolorosa e inabalável de ser vítima de uma voz tirânica que o aliena. Lacan condensou numa fórmula cativante a aproximação entre a psicose e o inconsciente: “ o psicótico” , escreveu, “ é um mártir do inconsciente, dando-se ao termo mártir seu sentido de ser testemunha”. Com efeito, quem pode atestar melhor do que o psicótico a força irredutível — e, no seu caso, devastadora — do inconsciente?

Juan-David Nasio em Os grandes casos de psicose.