As manifestações psicóticas como o delírio ou a alucinação não são efeitos imediatos de uma dada causa, mas consequências derivadas da luta travada pelo eu para se defender de uma dor insuportável.
O estado psicótico é, para Freud, uma doença da defesa; é a expressão mórbida da tentativa desesperada que o eu faz para se preservar, para se livrar de uma representação inassimilável, que, à maneira de um corpo estranho, ameaça sua integridade. Que tentativa é essa? Quais são os mecanismos de defesa do eu que, indiretamente, isolam-no da realidade e o levam à psicose? Primeiro, a rejeição violenta da representação irreconciliável para fora do eu. (Lacan, por sua vez, fala de significante do Nome-do-Pai, e J.-D. Nasio, de foraclusão localizada). O eu expulsa para fora uma ideia que se tornou intolerável para ele, por ser demasiadamente investida, e, com isso, separa-se também da realidade externa da qual essa ideia é a imagem psíquica. “O eu”, escreveu Freud, “desprende-se da representação inconciliável, mas ela está inseparavelmente ligada a um fragmento da realidade, de modo que o eu, ao praticar esse ato, separa-se também, no todo ou em parte, da realidade.”
Assim, o eu fica impotente e, às cegas, amputa uma parte de si mesmo — a representação de uma realidade que lhe é insuportável. Que quer dizer “desprender-se” , “expulsar para fora de si” , “amputar de si” ou “foracluir a representação”? Significa que uma representação psíquica, já demasiadamente superinvestida pelo eu, fica subitamente privada de qualquer significação. A expulsão, metáfora espacial, equivale à retirada brutal da significação, metáfora econômica. Mas, quer empreguemos uma ou outra dessas metáforas, o resultado é idêntico: o eu é vazado em sua substância, e a esse furo no eu corresponde um furo na realidade.
Reconhecemos, assim, dois grandes momentos que pontuam o processo psicótico: superinvestimento pelo eu de uma representação psíquica que ele hipertrofia, assim tornando-a incompatível com as outras representações normalmente investidas, e rejeição violenta e maciça dessa representação e, por conseguinte, abolição da realidade da qual a representação era a cópia psíquica. A esses dois momentos, entretanto, cabe ainda acrescentar um terceiro, que é a percepção pelo eu do pedaço rejeitado, sob a forma de uma alucinação ou um delírio.
Se descrevêssemos esse mesmo processo em termos energéticos, diríamos: superinvestimento excessivo de uma representação, retirada violenta de todo o investimento feito nela, constituição de um ponto cego no eu, renegação completa da realidade correspondente e, por último, substituição da realidade perdida por uma outra realidade, ao mesmo tempo interna e externa, chamada delírio ou alucinação.
Para Freud, portanto, o eu da psicose divide-se em duas partes: uma rejeitada e perdida, como um pedaço arrancado, e outra que alucina esse pedaço como uma nova realidade. Quando um paciente sofre de alucinações auditivas, a voz que o insulta é um pedaço errante de seu eu. Assim, o processo psicótico começa pela expulsão brutal de um pedaço do eu e culmina — e é aí que se formam os sintomas — com a percepção alucinada do pedaço rejeitado, transformado numa nova realidade, uma realidade alucinada. Foi justamente o estudo desse processo que levou J.-D. Nasio a formular sua tese de uma foraclusão localizada. Para retomar seu aforismo, diremos: “No lugar de uma realidade simbólica abolida aparece uma nova realidade, compacta, alucinada, que coexiste no mesmo sujeito com outras realidades psíquicas não afetadas pela foraclusão.”
Acrescentamos que essa teoria de Nasio sobre uma localização dos distúrbios e uma pluralidade de realidades psíquicas nasceu, acima de tudo, de uma constatação clínica: o paciente psicótico não é globalmente afetado, pois, fora dos acessos delirantes, preserva uma relação perfeitamente sadia com seu meio. E, inversamente, o sujeito normal pode viver um episódio delirante, sem que por isso se deva qualificá-lo de “psicótico”.
– Juan-David Nasio em Os grandes casos de psicose.