Biografia de Freud: Repressões e resistência

Sua teoria da repressão é a “pedra fundamental para a compreensão das neuroses.” – e não só delas. A maior parte do inconsciente consiste de materiais reprimidos. Esse inconsciente, como foi definido por Freud, não é o segmento da mente que abriga pensamentos temporariamente fora de vista, facilmente evocados: este é o que ele chamou de pré-consciente. Pelo contrário o inconsciente propriamente dito se assemelha a uma prisão de máxima segurança com reclusos antissociais, definhando há anos  ou recém-chegados, tratados com rigor e fortemente vigiados, mas dificilmente controlados e sempre tentando fugir. Suas fugas apenas têm êxito de modo intermitente, e a alto preço para si e para os outros. Portanto, o psicanalista que trabalha para desfazer, pelo menos e em parte, as repressões deve necessariamente reconhecer os graves riscos aí postos e respeitar o poder explosivo do inconsciente dinâmico.

Visto que são tremendos os obstáculos colocados pelas resistências, é no mínimo difícil de tornar consciente o inconsciente. Ao desejo de lembrar contrapõe-se o desejo de esquecer. Esse conflito, embutido na estrutura do desenvolvimento mental praticamente desde o nascimento, é obra da cultura, quer opere externamente como polícia ou internamente como consciência. Temeroso de paixões desenfreadas,  o mundo considerou necessário, durante toda a história de que se tem registro, rotular os mais insistentes impulsos humanos de mal-educados, imorais, ímpios. Desde a publicação de livros de etiqueta à proibição da nudez nas praias, da prescrição da obediência aos superiores à pregação do tabu do incesto, a cultura canaliza, limita e frustra o desejo. A pulsão sexual, como  as outras pulsões primitivas, luta incansavelmente pela gratificação frente a proibições restritivas, muitas vezes excessivas. O autoengano e a hipocrisia, que trocam as verdadeiras pelas boas razões, são os companheiros conscientes da repressão, negando necessidades apaixonadas em nome da concórdia familiar, da harmonia social ou da simples respeitabilidade. Negam essas necessidades, mas não podem destruí-las. Freud gostava da passagem de Nietzsche citada por um de seus pacientes prediletos, o Homem dos Ratos; “ ´Fiz isso´ diz minha Memória.

‘Não posso ter feito isso´diz meu Orgulho, e mantém-se inexorável.  No final – a Memória se rende”.  O orgulho é o braço coercitivo da cultura, a memória é o relato sobre o desejo em pensamento e ação. Pode ser que o orgulho ganhe, mas o desejo continua  a ser a qualidade mais exigente da humanidade. Isso nos reconduz aos sonhos; eles demonstram à exaustão que o homem é o animal desejante. É disso que trata A Interpretação dos Sonhos: os desejos e o seu destino.

Peter Gay em Freud: uma vida para o nosso tempo.