Eu te amei, era um monstruoso pentápode, mas como te amava. Era desprezível, brutal, torpe – tudo isso e muito mais, mais je t´aimais, je t´aimais! E houve momentos em que sabia como você se sentia, e era um inferno sabê-lo, minha menina querida. Minha pequena Lolita, minha corajosa Dolly Schiller!
Lembro certas ocasiões (icebergs no paraíso) em que, saciado dela – após fabulosas e dementes investidas que me deixavam exausto, o corpo listrado de azul na luz que penetrava pelas persianas do motel -, eu a tomava nos braços com (enfim) um mudo gemido de ternura humana (sua pele brilhando com reflexos de neon, seus cílios cor de fuligem emaranhados, seus olhos sérios e cinzentos mais vazios do que nunca – para todos os efeitos uma pequena paciente recém-saída da sala de operação, atordoada (ainda anestesia); e a ternura, penetrando mais fundo, transformava-se em vergonha e desespero, e eu embalava a leve e longínqua Lolita nos meus braços de mármore, e gemia nos seus cálidos cabelos, e a acariciava a esmo implorando mudamente seu perdão e, no auge dessa onda de ternura tão humana, tão sofrida e abnegada (com minha alma literalmente pairando sobre seu corpo nu, prestes a arrepender-se), de repente, ironicamente, horrivelmente, o desejo voltava a crescer – e “ah, não”, diria Lolita com um suspiro dirigido aos céus, e no instante seguinte a ternura e a listras azuis se partiam em mil pedaços.
– Vladimir Nabokov em Lolita.