Por Maria Luiza Dias Garcia
Na nossa cultura, em diversos segmentos sociais, a maternidade e a paternidade são carregadas de valor positivo, ou seja, observa-se uma pressão para que todos, atingindo certa idade, providenciem a chegada de um filho. Quem a isso não aspira, em geral, é associado a ser esquisito ou fracassado (aquele que tem dificuldade, não dá conta de ter um parceiro); ou no caso de haver um casal, logo se imagina que o casal está enfrentando dificuldades de natureza biológica para obter uma gravidez.
Há falas populares de conhecimento do senso comum:
Filhos para quê tê-los, mas como sabê-lo!
Será que as pessoas entram na experiência da gravidez, sem imaginar que também terão infortúnios, cansaço e desvantagens? Idealizar uma experiência pode ser perigoso, já que em toda posição tem-se que lidar com obstáculos e preços a pagar, afora as vantagens! Sem dúvida, é uma experiência para adultos, ou seja, para pessoas que afora a independência financeira, tenham reunido ferramentas internas adequadas para o enfrentamento do mundo: saber lidar com afetos; poder regredir com a criança, mas responder do lugar do adulto; possuir capacidade de postergação e de tolerar frustração; administrar a agressividade; etc.
Toda pessoa tem que plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho!
Os interesses podem variar e modificarem-se ao longo da vida. Apesar disso, a frase acima desconsidera isto, como se certos desejos fossem necessariamente universais e que não se poderia prescindir deles. Na verdade, nisto parece estar uma discussão sobre valores. Plantar uma árvore difunde a idéia de que se deve respeitar a natureza e promovê-la; escrever um livro aponta para a necessidade de que todos invistam em educação e que ler e escrever é uma prática de pessoas distintas; ter um filho, demonstra que a pessoa é provida de recursos afetivos e que cultiva relacionamentos, além de revelar possuir valores pró-família, o que a coloca dentro dos valores dominantes em nossa sociedade, evitando o enfrentamento de problemas por que passam as minorias, em geral – discriminação, marginalização, críticas.
Devemos aderir sem reflexão ao que propõe a maioria, a visão dominante? Aderir a todos os tipos de modismos, por exemplo, esforçando-se por seguir severo regime alimentar para atingir a magreza tão almejada pelas adolescentes do mundo atual? O indivíduo contemporâneo é estimulado a ter excelência em tudo a que o seu meio social atribui valor e a ter um desempenho maravilhoso, em busca do completo ou perfeito, inserindo-se num mundo mental, no qual acaba não havendo tolerância para o erro ou a falta. Bom, ser humano não tem esta natureza: ele erra, acerta; sabe, não sabe; etc. Depara-se com limites!
É preciso pensar a condição de cada um! Os talentos são diferentes porque as pessoas são diferentes. Devem todos apresentar disposição para acompanhar o desenvolvimento de um ser humano recém-chegado?
Sobre filhos:
Porque tê-los
Ter um filho desenvolve potenciais; é uma oportunidade para viver relações de parentesco e ressignificar as posições nos papéis familiares, revivendo, reeditando e transformando as experiências do passado, reelaborando experiências antigas e renovando-as; é uma oportunidade, portanto, de fazer a seu modo, resolvendo conflitos antigos e exercitando a própria autonomia. Cabe lembrar que relacionamento é sempre um desafio. Ficamos mais fortes, mais espertos, quando nos relacionamos e aprendemos. Ao ensinar ao filho, aprendemos, aprendemos junto com o cônjuge, que é diferente e advém de outra cultura familiar, por maior que seja a área das afinidades.
Porque não tê-los
Creio que o que é mais importante em tudo isso, é que cada um possa investigar seus reais motivos para ter ou não filho(s). A psicoterapia pode ajudar! Nem sempre o que uma pessoa percebe racionalmente e alega aos outros quando é inquirido a explicar-se, corresponde a razões mais profundas e sinceras do porquê deseja ou não um filho. Por exemplo:
Uma pessoa diz que é muito voltada para si mesma e que não acredita que poderia ser altruísta e ficar cuidando de uma criança que vai chorar à noite e que vai requerer muita atenção, mas pode, na verdade, estar com dificuldades em acompanhar o desenvolvimento de um outro alguém, pois isto a convidará necessariamente a rever o seu próprio desenvolvimento a toda fase que a criança atinge e relembrar suas experiências difíceis com a família da infância; ou pode estar, na verdade, com muito medo da gravidez, pois a avó morreu de parto e a prima teve um filho afetado pelo mongolismo; ou pode estar com medo que o parceiro não será suficientemente bom com ela e o bebê e que pode tornar-se violento como o sogro, por não tolerar triângulos e aí seu romance seria destruído; ou pode estar aflita com o fato de engravidar de um menino porque teme que tal como a maioria dos homens da família, ele venha a herdar uma doença cardíaca ou a ser mal sucedido.
Uma mulher deseja intensamente um filho e alega que criança é vida, que alegra a casa, que ninguém é completo sem um filho, mas pode, na verdade, estar desenvolvendo uma fantasia de que uma gravidez irá salvar seu casamento; ou que trazendo o primeiro neto à família estará resolvendo a competição com as cunhadas; ou que se tiver um filho, não terá que atender ao pedido do marido para que trabalhe e complemente a renda em casa, tarefa com a qual ela não se identifica; ou concebendo a chance de ter muitos filhos como um símbolo de riqueza, de status; ou deseja um filho para que ele possa cuidar dela em sua velhice. Nestes casos, o verdadeiro interesse não é no vínculo com a criança, mas no que ela possa trazer e representar. A criança não pode estar no lugar de “salva casamento”, ser uma “criança status ou auto-afirmação” ou de ser sua enfermeira na velhice. Ela precisará do lugar dela e do direito de ser singular.
Querer ou não querer ter um filho tem sempre uma razão particular por trás, a cada indivíduo. O não querer ter um filho em nossa sociedade insere o indivíduo num contexto de pertencer a um tipo de minoria. A questão que se coloca é a mesma da do lidar com as minorias. É necessário o respeito à diversidade humana. Tanto por parte da sociedade, quanto por parte do próprio sujeito da opção. Não é incomum, por exemplo, que a mulher que chega aos 40 anos sem filhos, sinta-se constrangida em comparecer a festas infantis ou em aniversários na família e que evite o diálogo sobre esta questão.
Não ter ou não desejar filhos, não é em si um problema, a meu ver, o que pode se configurar como um problema é quando a opção ganha o aspecto de um sintoma, ou seja, ela está a serviço de solucionar questões internas mal resolvidas, como se a chegada ou não do filho tivesse uma função reparatória, funcionasse como uma tentativa de digestão dos conteúdos indigestos. Neste caso, a psicoterapia poderá ajudar, alargando a consciência dos aspectos envolvidos na escolha ou não escolha por tal experiência e identificando as motivações inconscientes atrás da posição assumida, liberando o indivíduo para uma decisão mais consciente e madura. Evidencia-se, neste momento, a importância das pessoas tomarem a iniciativa de se cuidarem.
Vale mais a pena estar preparada para acompanhar o desenvolvimento de uma criança (que cabe lembrar, nunca será a do desejo, mas a que puder ser) e conhecer melhor a condição suposta do parceiro para apoiar e proteger a família que será constituída, já que a própria gravidez exige atenção e providências que podem ser necessárias que advenham de outra pessoa. Na era da produção independente, do “Faça você mesmo!” e do self service, é melhor considerar que mamães e papais necessitarão de colaboração, pois já é um desafio exercer um bom cuidado sobre a criança a dois, quem dirá sozinho!
Se há uma pressão da idade que avança para que o indivíduo decida, cabe considerar que o que não se poderá prescindir é de se alcançar uma razoável condição psíquica, que permita ao indivíduo ter sua própria ansiedade controlada, para que possa exercer o papel de quem cuida de um outro alguém. Optar por incorporar óvulos doados, ou mesmo, por uma adoção (que pode ser tão bem sucedida!) podem ainda ser melhores opções do que ter um filho biológico cedo, diante de uma estrutura fragilizada. Por que desperdiçar o desfrute em uma experiência que pode ser tão nobre! Muitas vezes, tendo este filho na adolescência, terceiriza-se a maternidade, pois a criança acaba sendo criada pela avó, para que a mãe continue o seu desenvolvimento, dando seqüência aos estudos e também para que possa ver amigos etc.
Para ser mãe ou pai, é necessário fazer a passagem de quem é cuidado para quem vai cuidar, pois o bebê chega ao mundo indefeso e precisando de tudo. Se não for adequadamente cuidado, morre na certa, pois depende mesmo para se alimentar e ainda não se locomove. Precisa de tudo, mesmo em horas impróprias e chora: na madrugada, na hora que os pais estão desfrutando de um momento de intimidade que agora pode estar mais raro, etc. Cuidar de um filho pequeno exige muita dedicação, não?
Voltemos ao fato de que o universo de representações associadas à experiência da maternidade e paternidade está diretamente conectado à experiência vivida na infância, que cria o primeiro patamar do qual tiramos fatores orientadores da nossa ação no mundo. Esta família internalizada precisa ser pensada e recriada ao longo dos anos, conforme damos seqüência às nossas tentativas no mundo. Cabe considerar que a psicoterapia pode auxiliar na direção do autoconhecimento, ajudando a conhecer melhor o próprio grupo interno com o qual o indivíduo dialoga e que vem servindo de orientador nas novas relações, fazendo com que a pessoa possa se posicionar, seja para optar por ter um filho ou para não tê-lo, com mais clareza dos processos em que está implicada.
Se você está planejando ter um filho, pense nessa possibilidade! Lembre-se que na nossa sociedade, a criança é muito valorizada. Mas cabe se perguntar qual é o lugar da criança? Na sociedade, na sua casa, no seu mundo psíquico. Acompanhar um ser humano em seu desenvolvimento exige muito do seu tempo concreto e da sua dedicação! Nossos desejos são também aprendidos, moldados socialmente. Esse é mesmo um desejo seu? Cabe perguntar-se, pois sua vida terá novo contexto!
Você é mulher e cresceu assistindo a “Cinderela”, a “Branca de Neve” e “A Bela e a Fera”? Sua filha hoje assistirá às histórias de “Barbie”, em DVD. A Barbie também sempre se une ao príncipe em diversas variações. Cuidado com a noção de completude e união plena que tais histórias difundem. A vida real é mais complexa que isto e requer a todo tempo que possamos aprender a lidar com as diferenças pessoais e a valorizar as boas qualidades no outro apesar de certos desencaixes, ou seja, a ter uma visão de conjunto e de contextos. Como você anda em relação a estes recursos internos? É daquelas pessoas que diz que sabe que alma gêmea não existe e que ninguém é irmãozinho, mas que na hora H, se o(a) parceiro(a) não quiser ir assistir ao mesmo filme no cinema, você se enerva?
Ter um filho requer que você esteja verdadeiramente interessada(o) em ajudar um bebê frágil a desenvolver-se e a passar por todas as etapas do crescimento rumo à aquisição de uma certa autonomia. Você acredita que encontrará prazer em se relacionar afetivamente e ver alguém crescer? Pode perder outras experiências em prol desta? Vale a pena procurar se conhecer mais antes de se lançar nesta experiência! A psicoterapia é um dos meios.
Dificuldades financeiras podem não inviabilizar a oportunidade terapêutica. Existem serviços gratuitos. Cuido de um atendimento psicopedagógico em uma universidade e coordeno um curso de especialização em terapia de casal e família, em um Instituto, em São Paulo, e tenho conseguido vagas gratuitas para pessoas, casais e famílias, que tenham real dificuldade financeira. É possível tentar!
Conhecendo as razões conscientes e inconscientes que o conduzem a uma das posições, você poderá assumir uma escolha mais consciente e autônoma nesta área de sua vida. Ninguém tem por obrigação ter um filho. Se a experiência é favorável para você ou pode ser dispensada, isto somente poderá ser visto aos seus próprios olhos. Depende das lentes através das quais você olha o mundo.
Ter um filho? Por que tê-lo? Quando tê-lo? Há com quem tê-lo? Vale a pena tê-lo? São interrogações que somente um indivíduo adulto que não tenha sido pego antes por um acidente de percurso como uma gravidez inesperada, poderá fazer-se em uma tentativa de tomar as rédeas de sua vida nas próprias mãos. Que seja o melhor de cada um!
Fonte: http://www.lacospsicologia.com.br/index.php?c=116&s=162&lang=16%20