No Hospital do Câncer em São Paulo fui médico de uma senhora italiana, casada com um pedreiro português aposentado que não saía do lado dela. No dia em que a esposa faleceu encontrei-o na portaria do hospital para entregar-lhe o atestado de óbito, e o convidei para tomar café, com a intenção de confortá-lo. Quando perguntei como organizaria a vida sozinho, uma vez que não tinham filhos, respondeu:
_ Tenho que ir em frente.
_ De que jeito ?
_ Doutor, meu avô dizia que viver é como percorrer um caminho num desfiladeiro de onde partem tiros disparados a esmo. As balas podem acertar qualquer um, mas derrubam com mais frequência os velhos, as crianças pequenas e os debilitados. Quando um corpo cai, alvejado, os outros são obrigados a se desviar e a continuar em frente, mesmo sem saber aonde o caminho nos levará.
_ Vá com Deus, doutor. Seja abençoada a sua profissão, que Deus criou para aliviar o sofrimento da gente.
– Dráuzio Varella em Por um fio.