Isto – Fernando Pessoa

Dizem que finjo ou minto
tudo que escrevo.
Não.
Eu simplesmente sinto com a imaginação.
Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo,
o que me falha ou finda,
é como que um terraço
sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio
do que não está ao pé,
livre do meu enleio,
sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!
Dorme, que a vida é nada!
Dorme, que tudo é vão!
Se alguém achou a estrada,
achou-a em confusão,
com a alma enganada.
Não há lugar nem dia
para quem quer achar,
nem paz nem alegria
para quem, por amar,
em quem ama confia.
Melhor entre onde os ramos
tecem dosséis sem ser,
ficar como ficamos,
sem pensar nem querer,
dando o que nunca damos.
Onda que, enrolada, tornas,
pequena, ao mar que te trouxe
e ao recuar te transtornas
como se o mar nada fosse,
por que é que levas contigo
só a tua cessação,
e, ao voltar ao mar antigo,
não levas meu coração?
Há tanto tempo que o tenho
que me pesa de o sentir.
Leva–o no som sem tamanho
com que te ouço fugir!

Fernando Pessoa foi um poeta e escritor português.