Ao longo de mais de um século e meio, a Europa lançou oito cruzadas rumo às terras infiéis do Oriente.
O Islã, que usurpava o santo sepulcro de Jesus, era o inimigo remoto. Mas ao mesmo tempo, e já que ficava no caminho, esses guerreiros da fé aproveitavam para limpar outros mapas.
A guerra santa começava em casa.
A Primeira Cruzada incendiou sinagogas e não deixou um único judeu vivo em Mainz e em outras cidades alemãs.
A Quarta Cruzada saiu rumo a Jerusalém, mas nunca chegou. Os guerreiros cristãos se detiveram na cristã Constantinopla, cidade opulenta, e durante três dias e três noites a saquearam inteirinha, sem perdoar igrejas e mosteiros, e quando já não sobrava nenhuma mulher para violar nem palácios para esvaziar ficaram para desfrutar o butim e esqueceram o destino final de sua sagrada aventura.
Poucos anos depois, em 1209, outra cruzada começou exterminando cristãos em solo francês.
Os cátaros, cristãos puritanos, se negavam a aceitar o poder do rei e do papa e acreditavam que todas as guerras ofendiam a Deus, inclusive as guerras que se faziam, como as cruzadas, em nome de Deus. Essa heresia, muito popular, foi extirpada pela raiz. De cidade em cidade, de castelo em castelo, de aldeia em aldeia. A mais feroz matança aconteceu em Béziers. Ali, foram todos passados à faca. Todos: os cátaros e os católicos também. Em vão, alguns buscaram refúgio na catedral. Ninguém se salvou da degola generalizada. Não dava tempo para distinguir quem era quem.
Segundo algumas versões, o abade Arnaud-Amaury, delegado do papa, tinha tudo bem claro. Mandou:
– Matem todo mundo. Depois Deus saberá reconhecer quem eram os dele.
– Eduardo Galeano em Os espelhos.