– O que você queria dizer exatamente quando disse que eu não sei nada do Brasil?
– Mas isso é um assunto totalmente diferente. Realmente interessa a você? Vou explicar. Você sabe de onde vem o samba?
Eu ainda não havia pensado nisso. Samba era samba.
– Nem desconfio.
Nelson sentou-se em posição de lótus à minha frente e ofereceu-me um de seus cigarros.
– Olhe atentamente para os brasileiros. O que você vê são muitos mulatos. Eu também sou, mesmo que isso quase não se note mais. O fato, porém, é que o sangue africano corre nas nossas veias. No tempo da escravidão, as pessoas eram tratadas como animais, punham-se ferros em seus pés, para que só pudessem dar passos muito pequenos. E, acorrentados feito bichos, eles faziam o duro trabalho de escravos para os latifundiários portugueses. Mesmo de noite, não lhes tiravam os grilhões. Apesar disso, eles eram pessoas alegres, que buscavam conforto nas canções que lhes haviam sido ensinadas em suas pátrias e também dançavam, do jeito que era possível – com grilhões de ferro em volta dos tornozelos! Você já olhou atentamente como é que se dança samba? São sempre passos muito pequenos, e o que faltava em termos de espaço para os movimentos, eles compensavam com o corpo. Até hoje o samba é dançado assim e, de certa maneira, ele é a expressão da vontade de liberdade incondicional das pessoas. Isso, meu amigo, é o Brasil!
– Rodger Klinger em Memórias do submundo.