Quando o bebê chora de tristeza – D. Winnicott

Primeiro, uma palavra a respeito do som do choro triste, o qual, espero que você concorde, contém uma nota musical. Algumas pessoas pensam ser o choro triste uma das principais raízes dos tipos superiores de música. E pelo choro triste uma criança, até certo ponto, entretém-se. Pode facilmente desenvolver e experimentar diversos tons do seu pranto, enquanto aguarda que o sono chegue para afogar suas mágoas. Com um pouco mias de idade, e ouvi-la-emos realmente cantando, numa toada triste, para dormir. Como você sabe, também as lágrimas pertencem mais ao choro triste do que à raiva, e a incapacidade para chorar tristemente significa olhos secos e nariz seco (para aonde as lágrimas fluem quando não escorrem pelo rosto abaixo). As lágrimas são, portanto, saudáveis, física e psicologicamente.

Talvez convenha eu dar um exemplo para explicar o que entendo por valor da tristeza. Focalizarei uma menina de dezoito meses porque é mais fácil acreditar no que acontece nessa idade do que se as mesmas coisas acontecerem mais obscura- mente no período anterior da infância. Essa menina foi adotada quando tinha quatro meses de idade e, antes da adoção, conhecera experiências’ infelizes; por esse motivo, dependia imensamente da mãe. Poderíamos dizer que ela não fora capaz de formar em sua ideia, como sucede às crianças mais felizes, a noção de que há boas mães; e, por essa razão, agarrou-se à pessoa real de sua mãe adotiva, que era excelente na assistência que lhe dava. A necessidade que a criança manifestava da presença real da sua mãe adotiva era tamanha que a mãe compreendeu não dever deixar a criança. Quando esta tinha sete meses de idade, foi uma vez deixada durante meio dia em excelentes mãos, mas os resultados foram quase desastrosos. Agora, com a menina completando os seus dezoito meses, a mãe decidiu tomar quinze dias de férias, contando à filha o que ia acontecer e deixando-a entregue a pessoas que ela conhecia bem. A criança passou a maior parte dessas duas semanas tentando abrir a maçaneta da porta do quarto de dormir da mãe, demasiado ansiosa para brincar e não aceitando, realmente, o fato da mãe estar ausente. Estava excessivamente assustada para ficar triste. Suponho haver quem dissesse que, para a criança, o mundo parou durante quinze dias. Quando, por fim, a mãe regressou, a criança esperou uns instantes, para assegurar-se de que o que estava vendo era real, e depois correu, lançando os braços em torno do pescoço da mãe e perdendo-se em soluços e profunda tristeza, após o que regressou ao seu estado normal.

Vemos como a tristeza se manifestava antes da mãe regressar, observando-a do nosso ponto de vista de espectadores. Mas, do ponto de vista da menina, não houve tristeza enquanto não verificou que podia estar triste com sua mãe perto, deixando correr suas lágrimas pelo colo da mãe. Qual a explicação disto? Bem, creio poder dizer que a menina tinha de enfrentar algo que a atemorizava muito, ou seja, o ódio que sentiu pela mãe quando esta a deixou. Escolho este exemplo pelo fato de que a criança dependia da mãe adotiva (e não podia encontrar facilmente carinhos maternos noutras pessoas) e assim nos torna mais fácil vermos até que ponto a criança acharia perigoso odiar a mãe. De modo que esperou até a mãe regressar.

Mas que fez ela quando a mãe voltou? Poderia ter avançado nela e mordê-la. Eu não ficaria surpreso se alguma de vocês já tivesse tido tal experiência. Mas essa criança abraçou-se à mãe e soluçou. O que é que a mãe tinha de deduzir desse gesto? Se ela tivesse falado, o que me alegra que ela não tivesse feito, teria dito: “Eu sou a sua única e boa mãe: Você estava assustada por descobrir que me odiava por eu ter partido. Você lamenta ter-me odiado. Não só isso, você achava que eu partira por causa de alguma maldade que fizera, ou porque exige tanto de mim, ou porque me odiou antes de eu partir; assim, você sentiu ser a causa da minha partida… pensou que eu partia para sempre. Só depois de eu voltar e de você pôr seus braços em torno de mim, é que pôde reconhecer que já cogitara de me mandar embora, mesmo quando eu ainda estava consigo. Pela sua tristeza, ganhou o direito de me abraçar, pois mostrou assim sentir que, quando eu a feri por ir-me embora, a culpa era sua. De fato, sentia-se culpada, como se você fosse a causa de tudo o que há de mau no mundo, ao passo que, na realidade, você só foi uma causa muito pequenina da minha ausência. As crianças são uma complicação, mas as mães esperam e gostam que elas sejam assim. Pelo fato de depender tanto de mim, você tem muito mais possibilidade de me cansar; mas resolvi adotá-la e nunca me zangarei pelo fato de você me cansar..

Ela poderia ter dito isso tudo, mas ainda bem que o não fez; de fato, essas ideias nunca lhe passaram pela cabeça. Estava demasiado ocupada acariciando sua menina.

Por que disse eu tudo isso a respeito dos soluços de uma menina? Tenho a certeza de que não haverá duas pessoas que descrevam da mesma maneira o que se passa quando uma criança está triste, e atrevo-me a acrescentar que algumas das coisas que eu disse não estão expressas com bastante correção. Mas tampouco está tudo errado, e espero que, pelo que eu disse, consegui mostrar que o choro triste é algo muito complicado, algo que significa já ter a criança conquistado seu lugar no mundo. Deixou de ser um pedaço de cortiça flutuando ao sabor das ondas, já começou a assumir sua responsabilidade em relação ao meio. Em lugar de reagir apenas às circunstâncias, passou a sentir responsabilidade pelas circunstâncias. O problema está em que começa a sentir-se totalmente responsável pelo que lhe sucede e pelos fatores externos da sua vida. Só gradualmente começa a fazer distinção entre aquilo por que é responsável e aquilo tudo por que se sente responsável.

Comparemos agora o choro triste com as outras espécies. Chorar de dor ou fome pode-se notar em qualquer ocasião, desde o nascimento. A raiva aparece quando o bebê está apto a concatenar certos acontecimentos, e o medo, indicando a expectativa de dor, significa que o bebê elaborou ideias próprias. O pesar indicará algo muito mais avançado que esses outros sentimentos agudos; e, se as mães compreenderem até que ponto são valiosas as coisas subentendidas na tristeza, estarão capacitadas a evitar a perda de algo importante. As pessoas mostram-se facilmente satisfeitas quando, mais tarde, os filhos dizem “Muito obrigado” ou “Desculpe”, mas a versão primitiva dessas compreensões está contida no choro triste do bebê e é muito mais valiosa do que se ensina na maneira de exprimir gratidão e arrependimento.

(…)
De fato, um bebê triste poderá necessitar o amor físico e demonstrativo da mãe. O que ele não precisa, contudo, é ser distraído efusivamente (por exemplo, fazê-lo saltar no colo, provocar cócegas etc.) da sua tristeza. Digamos que ele se encontra num estado de luto e requer certo período de tempo para recuperar-se. Precisa apenas de saber que a mãe continua a amá-lo e, por vezes, pode ser até preferível deixá-lo chorar à vontade. Recordemos não existir melhor sensação na infância do que a ligada a uma verdadeira e espontânea recuperação da tristeza e sentimentos de culpa. Tanto isso é assim que, por vezes, a mãe verificará que o filho se comporta de modo indócil e desobediente para que possa sentir-se culpado, chorar e depois ser perdoado, tão ansioso está ele de reaver aquilo que experimentou numa verdadeira convalescença da tristeza.

– D. Winnicott em A criança e o seu mundo.