Todos nós sabemos o que é perder a cabeça e como a raiva, quando é muito intensa, por vezes parece apoderar-se de nós a tal ponto que, por algum tempo, não somos capazes de controlarmo-nos. O bebê sabe o que é estar completamente furioso. Por mais que a mãe se esforce, nada impede que ela o decepcione algumas vezes, e ele chorará de raiva; segundo a minha opinião, a mãe terá pelo menos um motivo de consolação; esse choro furioso significa, provavelmente, que o bebê acredita na sua genitora. Tem esperança em conseguir demovê-la, em fazer com que ela mude. Um bebê que perdeu a crença não fica raivoso: deixa apenas de querer, ou chora num ar lamentoso e desiludido, ou começa a cabeça no travesseiro, no chão ou nas paredes, ou então explora as várias coisas que pode fazer com o seu corpo.
É uma coisa saudável para o bebê conhecer a extensão completa da sua capacidade de fúria. Compreenda-se: o bebê certamente não se sente inofensivo quando está raivoso. As mães conhecem bem o ar com que ele fica. Grita, esperneia e, se já tiver idade para isso, levanta-se e sacode as grades do berço. Morde, arranha, cospe, vomita e arma uma barafunda infernal. Se realmente for decidido, é capaz de reter a respiração e ficar com o rosto azul ou até de provocar alguma convulsão. Por alguns minutos, sua intenção é realmente destruir ou, pelo menos, danificar tudo e todos, e nem sequer lhe importa destruir a si próprio no decorrer da crise.
Você não vê que, sempre que um bebê se lança numa dessas crises, ganha alguma coisa? Se o bebê chora num acesso de raiva e sente como se tivesse destruído o mundo inteiro, mas, em sua volta, as pessoas mantêm-se calmas e ilesas, essa experiência fortalece enormemente sua capacidade de apreender que ele o que ele acha ser verdadeiro não é necessariamente real, que a fantasia é o fato concreto, ambos importantes, são entretanto distintos um do outro. Não é absolutamente necessário que a mãe procure enfurecer seu bebê, pela simples razão de que existem muitas maneiras pelas quais a mãe não poderá evitar que ele se enfureça, quer ela goste ou não.
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Um bebê colérico é uma pessoa autêntica. Sabe o que quer, sabe como conseguir o que quer e recusa-se a perder a esperança de o conseguir. Só muito vagamente pode saber que seus gritos ferem, tanto quanto sabe que suas imundícies dão imenso trabalho. Mas em poucos meses começa a sentir-se perigoso, a sentir que pode ferir e magoar e que quer ferir e magoar; e, mais cedo ou mais tarde, pela sua experiência pessoal da dor, acaba sabendo que os outros também podem sofrer dor e cansar.
– D. Winnicott em A criança e o seu mundo.