A causa recalcada do sofrimento, além da neurose, tem ainda outros efeitos: irradia-se de modo misterioso pelo ambiente e afeta também os filhos, caso existam. Desse modo são transmitidos muitas vezes por várias gerações os estados neuróticos, à semelhança da maldição dos Atridas. A infecção dos filhos se dá por via indireta, fazendo com que eles assumam uma atitude em relação ao estado de espírito dos pais: ou reagem em defesa própria por meio de um protesto mudo (ás vezes, porém, até bem alto), ou se tornam vítimas de uma coação interna de imitação, que os paralisa psiquicamente. Tanto num caso como no outro, os filhos se veem obrigados a fazer, a sentir e a viver aquilo que eles próprios não são, mas sim seus pais.
Quanto mais “impressionantes” forem os país, quanto menos quiserem assumir seus próprios problemas (muitas vezes pensando diretamente no bem dos filhos!), por um tempo mais longo e de modo mais intenso terão os filhos de carregar o peso da vida que seus pais não viveram, como que forçados a realizar aquilo que eles recalcaram e mantiveram inconsciente. O que importa não é que os pais devam ser perfeitos, a fim de não causarem danos aos filhos. Caso fossem realmente perfeitos, isso seria catastrófico para os filhos, pois nesse caso não restaria a estes outra coisa senão o sentirem-se moralmente inferiores; a não ser que preferissem ultrapassar os pais, empregando os mesmos meios que eles, isto é, imitando-os. Mas este último recurso apenas adia a prestação de contas, no máximo até a terceira geração.
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A única coisa que pode preservar a criança desses danos desnaturais é a atitude sincera dos pais diante dos problemas da vida. Eles devem esforçar-se com toda a sinceridade no sentido de aceitar esses problemas como tarefa a cumprir, procurando iluminá-los com todo o cuidado justamente nos recantos mais obscuros. O erro dos pais estaria em fugir das dificuldades da vida por meio de manobras enganadoras e por tentativas artificiais de levar tudo para o inconsciente.
– Carl Jung em O desenvolvimento da personalidade.