Olhem pela janela do outro – Irvin Yalom

Décadas atrás, atendi uma paciente com câncer de mama que, durante toda adolescência, tinha ficado presa numa longa e amarga luta com seu pai repressor. Desejando ardentemente alguma forma de conciliação, um novo e diferente começo para o relacionamento entre eles, ela aguardava ansiosamente pela ocasião em que o pai levaria de carro até a faculdade — uma ocasião em que ela ficaria sozinha com ele por várias horas. Mas a viagem há tanto tempo esperada se revelou um desastre: o pai se comportou exatamente segundo o figurino, reclamando longamente do riacho feio entulhado de lixo às margens da estrada. Ela, por outro lado, não viu absolutamente nenhum entulho no belo e rústico córrego, que conservava a sua beleza natural. Não conseguiu descobrir nenhuma maneira de responder e, acabando por cair em silêncio, eles passaram o restante da viagem desviando o olhar um do outro. Mais tarde, ela fez a mesma viagem sozinha e ficou surpresa ao notar que havia dois córregos — um em cada lado da estrada. “Desta vez, eu era a motorista” disse ela com tristeza, “e o córrego que tinha visto da minha janela no lado do motorista era tão feio poluído quanto meu pai o tinha descrito.” Mas na ocasião em que ela tinha aprendido a olhar pela janela do pai, era tarde demais — pai estava morto e enterrado.

Esse relato me acompanha até hoje e, em muitas ocasiões, lembro a mim mesmo e aos meus alunos: “Olhem pela janela do outro. Tentem ver o mundo da forma como o seu paciente o vê.”

Irvin Yalom em Os desafios da terapia.