A busca de um abrigo primal | Zygmunt Bauman

Viver entre uma multidão de valores, normas e estilos de vida em competição, sem uma garantia firme e confiável de estarmos certos é perigoso e cobra um alto preço psicológico.

Como diz Julia Kristeva (em Nações sem Nacionalismo), “é rara a pessoa que não invoca uma proteção primordial para compensar a desordem pessoal”. E todos nós, em medida maior ou menor, às vezes mais e às vezes menos, nos encontramos em estado de “desordem pessoal”. Vez por outra, sonhamos com uma “grande simplificação”; sem aviso, nos envolvemos em fantasias regressivas cuja principal inspiração são o útero materno e o lar protegido por muros. A busca de um abrigo primal é o “outro” da responsabilidade, exatamente como o desvio e a rebelião eram o “outro” da conformidade. O anseio por um abrigo primal veio hoje substituir a rebelião, que deixou de ser uma opção razoável; como diz Pierre Rosanvallon (em seu clássico Le capitalisme utopique), não há mais “uma autoridade no poder para poder depor e substituir. Parece não haver mais espaço para revolta como atesta o fatalismo diante do fenômeno do desemprego”.

Sinais de da doença são abundantes e visíveis, mas, como repetidamente observa Pierre Bourdieu, procuram em vão uma expressão legítima no mundo da política. Sem expressão articulada, precisam ser lidos, obliquamente, nas explosões de fúria xenófoba e racista –  manifestações mais comuns da nostalgia do abrigo primal.

Zygmunt Bauman em Modernidade Líquida.