Alcançou o seu objetivo, foi cada vez mais independente, ninguém tinha nada que mandar-lhe, a ninguém tinha de dar conta dos seus atos, só ele e livremente determinava a seu bel prazer, o que havia de fazer ou o que havia de deixar. Todo o homem forte alcança infalivelmente aquilo que procura com verdadeiro afinco. Porém, em plena liberdade conseguida, bem depressa observou Harry que essa independência era a morte, que estava só, que o mundo o abandonava de um modo sinistro, que os homens nada lhe interessavam; mais do que isso, que ele mesmo a si pouco interessava, que lentamente se ia asfixiando numa atmosfera cada vez mais tênue de falta de contacto e de isolamento. Porque, afinal, já a solidão e a independência não eram o seu afã e o seu objetivo, mas o seu destino e a sua condenação; que seu mágico desejo se cumprira e já não era possível retirá-lo, que já de nada servia estender os braços abertos, cheio de nostalgia e com o coração pleno de boa vontade, oferecendo solidariedade e união; agora deixavam-no só. E não é que fosse odioso, detestado e antipático aos outros. Tinha ao contrário muitos amigos. Muitos lhe queriam bem. Mas era sempre unicamente simpatia e amabilidade o que encontrava; convidavam-no, faziam-lhe presentes, escreviam-lhe bonitas cartas, mas ninguém se lhe aproximava espiritualmente, por nenhuma parte surgia intimidade com alguém, e ninguém estava disposto nem era capaz de compartilhar da sua vida. Agora envolvia-o o ambiente de solidão, uma atmosfera de quietude, um afastamento do mundo que o rodeava, uma incapacidade de relações, contra a qual nada podiam a vontade, o esforço ou a nostalgia.
– Hermann Hesse em O lobo da estepe.