Carlos e João da Ega refletem sobre a paixão e a vida.
“Uma comoção passou-lhe na alma, murmurou, travando o braço do Ega:
É curioso! Só vivi dois anos nesta casa, e é dela que me parece estar metida a minha vida inteira!
Ega não se admirava. Só ali no Ramalhete ele vivera realmente daquilo que dá sabor e relevo à vida – a paixão.
_ Muitas outras coisas dão valor à vida… Isso é uma velha idéia de um romântico, meu Ega!
_ E que somos nós? exclamou Ega. Que temos nós sido desde o colégio, desde o exame de latim? Românticos: isto é, indivíduos inferiores que se governam na vida pelo sentimento e não pela razão…
Mas Carlos queria realmente saber se, no fundo, eram mais felizes esses que se dirigiam só pela razão, não se desviando nunca dela, torturando-se para se manter na linha inflexível, secos, hirtos, lógicos, sem emoção até o fim…
_ Creio que não, disse o Ega. Por fora, à vista, são os desconsoladores. E por dentro, para eles mesmos, são talvez desconsolados. O que prova que neste lindo mundo ou tem de ser insensato ou sensabor…
_ Resumo: não vale a pena viver…
_ Dependente inteiramente do estômago! atalhou Ega.
Riram ambos. Depois Carlos, outra vez sério, deu a sua teoria da vida, a teoria definitiva que ele deduzira da experiência e que agora o governava.
Era o fatalismo muçulmano. Nada desejar e nada recear… Não se abandonar a uma esperança – nem a um desapontamento. Tudo aceitar, o que vem e o que foge, com tranqüilidade com que se escondem as naturais mudanças de dias agrestes e de dias suaves. E, nesta placidez, deixar esse pedaço de matéria organizada, que se chama o Eu, ir-se deteriorando e decompondo até reentrar e se perder no infinito Universo… Sobretudo não ter apetites, não ter contrariedades.
– Eça de Queirós em Os Maias.