Chegam os espanhóis e massacram doze milhões desses nativos…  – Voltaire

Degolamos de um extremo a outro da terra e fomos bastante imbecis para dar o nome de grandes homens, de heróis, de semideuses, de deuses até, àqueles que mandaram assassinar o maior número de seus semelhantes.

Restavam na América duas grandes nações civilizadas que começavam a usufruir a doçura da paz: chegam os espanhóis e massacram doze milhões desses nativos: partem a caça dos homens com cães e Fernando, rei de Castela, concede uma pensão a esses cães por terem servido tão bem.

Os heróis vencedores do novo mundo, que massacram tantos inocentes desarmados e nus, mandam servir à mesa coxas de homens de mulheres, nádegas, braços e panturrilhas ensopadas. Mandam assar na brasa o rei Guatimozin do México; correm ao Peru para converter o rei Atabalipa.

Um tal de Almagro, padre, filho de padre, condenado à forca na Espanha por ter sido ladrão de estrada, vai, com um tal de Pizarro, comunicar ao rei, pela voz de outro padre, que um terceiro padre, chamado Alexandre VI, manchado de incestos, de assassinatos e de homicídios, dera, por sua livre vontade, próprio motu, e por seus plenos poderes, não somente o Peru, mas metade do novo mundo, ao rei da Espanha; que Atabalipa deve imediatamente submeter-se, sob a pena de incorrer na indignação dos apóstolos São Pedro e São Paulo.

E, como esse rei não entendesse a língua latina mais do que o padre que lia a bula, foi de imediato declarado incrédulo e herege: mandaram queimar Atabalipa, como haviam feito com Guatimozin; trucidaram seu povo e tudo isso para roubar lama amarela endurecida, que só serviu para despovoar e empobrecer a Espanha, pois a levou a negligenciar a verdadeira lama que sustenta os homens quando cultivada.

(…) se o ser fantástico e ridículo chamado demônio tivesse querido fazer homens à sua imagem, os teria formado de outra maneira? Deixem, pois, de atribuir a um Deus uma obra tão abominável.

Guatimozin, nome espanholado do asteca Cuahtemoc, foi o último Imperador dos astecas, tendo nascido na atual Cidade do México em 1497. Filho do Rei Auitzatle e sobrinho de Moctezuma II. Aos 17 anos torna-se senhor de Tiotelolco, antiga cidade índia, que fazia parte da atual Cidade de México; na mesma época Cortés chega ao país. Preso Moctezuma II, os índios foram derrotados. Aproveitando-se da ausência de Cortés, Guatimozin provocou uma rebelião contra os invasores. Regressando à Cidade de México, Cortés tentou dominar a sublevação, expondo Moctezuma II diante de si, no terraço do palácio; Guatimozin pondo-se à frente dos índios, injuriou o Rei e feriu-o com uma pedrada; Cortés então, libertou Cuitlahuatzin, irmão de Moctezuma, esperando assim obter a submissão da cidade; mas o chefe libertado uniu-se a Guatimozin e ambos expulsaram os espanhóis da Cidade em 30 de junho de 1520. Morto Moctezuma II, provavelmente assassinado, Cuitlahuatzin, assumiu a coroa asteca, falecendo pouco depois, sendo substituído por Guatimozin, coroado em 15 de março de 1521 procurou em vão concluir uma aliança com os demais chefes indígenas para uma luta contra os invasores. Cortés assediou a Cidade de México, defendida pelos indígenas, numa luta encarniçada de 75 dias. Vitoriosos os espanhóis, aprisionaram Guatimozin em 13 de agosto de 1521. Cortés fez Guatimozin acompanhá-lo na expedição a Hibuerras e acusando-o de haver promovido uma revolta contra os espanhóis. Depois de torturá-lo em uma cama em brasas, enforcou-o em 26 de fevereiro de 1522 na cidade de Izancanaque.

Voltaire em O ateu e o sábio.